Não é de hoje que tem se discutido ao redor de todo o mundo possibilidades e soluções para os desafios sociais que nos cercam. Igualmente, já não é de hoje que constatamos que há uma importância fundamental no engajamento e protagonismo multisetorial com impacto social, para que desta maneira, este esforço para transformação seja verdadeiramente relevante e perene.
Neste processo, o engajamento efetivo do setor público é obviamente mais do que esperado, o movimento, compromisso e a paixão do terceiro setor são extremamente apreciados, e junto com estas duas forças setoriais, vemos se destacar nas últimas décadas a participação promissora do setor privado com os desafios sociais que precisam ser reconhecidos e solucionados. Esta participação promissora se explica por uma questão de poder quantitativo, considerando que das 100 maiores economias mundiais 49 são estados nacionais e 51 são multinacionais, cujo faturamento anual é capaz de superar o PIB de alguns Estados.
Dentro deste contexto, temos visto um grande movimento dos mercados globais em direção ao envolvimento com temáticas de impacto social. Os negócios de impacto não são mais raras exceções, eles tem ganhado força, projeção e relevância ao observarmos que estes negócios são, certamente, os negócios à prova de futuro.
Muito se discute sobre o que de fato caracteriza um negócio de impacto e de acordo com uma pesquisa recente da Aliança pelos Investimentos em Negócios de Impacto, 92% dos respondentes da pesquisa acreditam que a definição de negócios de impacto não é clara o suficiente e esta falta de definição influencia direta e negativamente o engajamento de novos atores neste ecossistema.
Partindo dessa constatação sobre a falta de definições suficientes à este respeito, o intuito deste artigo é abordar conceitos e também referências para identificação dos atributos desta definição. Este artigo se coloca também como um convite para o engajamento ou mesmo um aprofundamento das relações das empresas, marcas e negócios multisetoriais com as mudanças que nós queremos ver e viver no mundo.
Os negócios de impacto podem portanto ser definidos como empresas de pequeno, médio ou grande porte multisetoriais que além de terem como objetivo a geração de valor econômico, ou seja, de lucro, elas também assumem um compromisso com a geração de valor social. Este valor social pode ser orientado por iniciativas internas e também iniciativas externas, de modo que as suas atividades promovam e propelem um sistema colaborativo que tenha capacidade de responder em parte aos desafios sociais que tanto precisam de soluções.
É claro que existem diversos graus e variadas maneiras de uma empresa assumir compromissos com uma jornada de impacto social na prática, e o primeiro passo para este engajamento é sem dúvida nenhuma a noção destas possibilidades. Logo, esta jornada em direção ao protagonismo em impacto social começa com informação e formação que provoquem mudanças de conceitos e por consequência, mudança de objetivos e resultados destas empresas.
Importante falarmos sobre o fato de a geração de impacto social ser um processo, e não um fato isolado dentro do curso de uma empresa. São processos normativos, sociais, culturais, produtivos e que devem se estabelecer de forma constante, já que estamos falando de uma nova cultura de negócios sendo gerada.
O nosso momento global atual traz bastante urgência, não apenas no Brasil mas em todo o mundo de se discutir sobre as características e sobretudo sobre a prática de efetivação de um negócio de impacto. Existem algumas questões que aumentam a pressão sobre este debate sendo uma delas a aproximação de outros ecossistemas que testam os limites do que pode ou não ser definido como negócio de impacto, também a demanda de investidores por uma régua mínima que ofereça parâmetros para tomada de decisão para locação do capital e além disso, a crescente pressão por parte dos consumidores por produtos e serviços que se posicionam neste sentido.
Quanto às maneiras de produzir impacto, podemos elencar iniciativas internas que poderiam envolver por exemplo, políticas de diversidade e inclusão na formação e gestão de equipes, educação e conscientização de shareholders e stakeholders quanto à prática das responsabilidades sociais, o engajamento prático dos times e lideranças em atividades voluntárias que gerem impacto, a implementação de projetos internos recorrentes com este cunho, o monitoramento e a avaliação constantes de impacto de suas cadeias produtivas, entre outras. Além disso, podemos elencar iniciativas externas às operações da própria empresa, através de parcerias e subsídios à organizações, ações ou projetos externos de impacto, o que muito já vemos ser praticado.
Importante ressaltar que os negócios de impacto não precisam necessariamente ter nascido definidos desta maneira. Eles podem se tornar negócios de impacto e adotar de forma permanente mecanismos que os levem à esta definição.
É também notável um desafio na disponibilidade de guidelines, estudos, parâmetros e modelos de boas práticas assim como de medição de impacto que se quer gerar – tanto na implementação de um novo negócio de impacto ou mesmo na transição de um negócio tradicional para a abordagem de atuação com impacto. Algumas ferramentas já existentes e que se destacam neste cenário são a Agenda 2030 da ONU, especialmente os materiais direcionados para implementação desta agenda no contexto corporativo; além disso, o Pacto Global com os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos divididos em três pilares, sendo um deles a responsabilidade das empresas de respeitar os direitos humanos; temos também o Guia da OCDE de devida diligência para uma conduta empresarial responsável; os frameworks dos sistemas de certificação como é o caso do Sistema B, que aborda entre outras premissas, a responsabilidade social das empresas e negócios.
Por fim, muito poderia dizer sobre os desafios, muito poderia também dizer sobre o que temos avançado, mas é certo que entre o “hype” e as ações necessárias para demonstrar o real comprometimento social das empresas, existe um longo caminho que, em meu entendimento, precisa ser desbravado, antes que seja tarde demais.
O momento é agora, de aplicarmos a nossa atenção neste tema, somarmos nossos esforços, dialogarmos a este respeito, buscarmos conhecimento e também disseminarmos de forma clara e objetiva os conceitos e cases que incentivam o engajamento de novos atores. Portanto, este é o meu desejo através deste artigo: que você possa ter uma maior compreensão, motivação e sobretudo, uma forte convicção de que todos nós podemos ser parte das respostas para as mudanças que nós queremos ver e viver no mundo. Este é um processo absolutamente possível e mais do que nunca, inescapável, e é por isso mesmo que concluo este artigo da exata maneira como o iniciei, reafirmando a minha convicção de que “os negócios à prova de futuro são os negócios de impacto”.
por Letícia Stables, presidente fundadora do The Justice Movement e consultora em responsabilidade e impacto social.